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Quanto Vale ou é Por Quilo?


Texto: Helena Novais
Em 17.07.2012

Há obras cinematográficas que só são suportáveis pelo tom de sátira como alternativa à seriedade. Trainspotting, de 1996, sobre o vício em heroína, é bom exemplo. Há outros que adotam a via do escárnio ou mesmo a comédia escrachada para tratar um tema sério... De Quanto Vale ou é por Quilo? (Brasil, 2005) escorre cinismo, o que não é um bom amenizador e acredito mesmo, que a intenção não era amenizar nada. Resultado: A Náusea, de Sartre, perto deste filme fica parecendo brincadeira de criança. 

O roteiro genial de Eduardo Benaim, dirigido por Sergio Bianchi, faz um paralelo entre a escravidão do Brasil colônia e a atual situação social, que não é apenas a brasileira e sim característica dos países industrializados. Aparecem aí os especuladores de ontem e de hoje, os profissionais do marketing social, os "especialistas" da responsabilidade social e da economia "sustentável", e seus projetos de moralidade repugnante, a completa alienação moral e ausência de qualquer valor que não seja o financeiro. 

À certa altura, a história dá náusea, mesmo, pois se reconhece nela as engrenagens de uma sociedade que é a nossa, da qual nada escapa e da qual não se vê como sair, mas se deseja sair desesperadamente... Pára tudo que eu quero descer... Mas, como descer? Não há respostas fáceis, talvez nem possíveis. 

Anos atrás, alguém me disse que planejava, para um futuro breve, dar aulas em escola pública como forma de "contribuir" com a sociedade... Fiquei olhando para a pessoa e me perguntando se algum dia teria colocado os pés em uma favela e se tinha ideia da fragilidade do que estava dizendo... Hoje tenho certeza de que não tinha ideia nenhuma... O próprio sistema de educação formal é uma forma de controle e de perpetuar a ordem estabelecida das coisas, um "aparelho ideológico do Estado", como bem disse Althusser... E pior do que não ter ideia objetiva da complexidade social do mundo em que se vive é não querer ter, virar as costas para o mundo como se a vida fosse sonho... Que bom se fosse sonho para todos! E a alienação cobra seu preço em vidas.

O filme inteiro está disponível no Youtube (aqui só um trecho).
É uma obra corajosa e a prova de que simplesmente ter conhecimento de algo não basta para mudar nada. A mídia faz seu trabalho direitinho: divide para conquistar.


Publicação Original: http://claro-escuro.blogspot.com.br/2012/07/engrenagens.html


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