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Snowden, Manning, Wikileaks e a Emancipação da Humanidade

Texto: Helena Novais
Em 03.07.2013

A história da Associação Internacional de Trabalhadores é uma das mais bonitas que eu conheço. Ela surgiu quando Napoleão III, buscando agradar a classe operária, enviou um grupo de 200 trabalhadores a Londres, para participar da Grande Exposição de 1861. Esses trabalhadores acabaram entrando em contato com sindicalistas ingleses e formando uma associação que incluía lideranças das mais diversas tendências, anarquistas e marxistas com suas várias perspectivas. Foi um momento precioso, em que várias ideologias davam-se as mãos na luta pelo progresso e emancipação humana, valores maiores. 

Formada pela adesão de membros de vários sindicatos e partidos políticos, a Internacional entendia que a questão operária ia muito além das fronteiras territoriais e nacionalismos. Dizia respeito a toda humanidade, a todos os explorados e oprimidos do mundo. Era uma organização política, portanto. E na sua vocação de unir todos os trabalhadores do mundo, evoluiu também para a espionagem e para a guerrilha objetivando a implantação do socialismo e de uma sociedade de iguais condições de vida para todos, na qual todos os homens e mulheres poderiam realizar plenamente seu potencial de vida. Foi nesta perspectiva, que por exemplo, Olga Benário chegou ao Brasil escoltando Luís Carlos Prestes. A Internacional oferecia seu apoio ao brasileiro na tentativa de espalhar seu ideal pelo país. 

Qual a relação entre Edward Snowden, Bradley Manning, jornalistas, hackers e colaboradores do Wikileaks com a Primeira Internacional? Aparentemente nenhuma. Apesar de libertários, até onde eu sei eles são liberais, portanto opositores ideológicos do socialismo. Mas esta oposição é apenas superficial. 

A Primeira Internacional e outras tentativas de retomada do movimento operário fracassaram por conta das disputas internas. O objetivo último, a totalidade, perdia-se em meio às polêmicas que envolviam as partes, ou os meios para atingir os fins. Hoje, ainda, as ideologias, que também são meios, assumem papel preponderante frente ao objetivo último, que é o fim: o progresso e a emancipação humana, a liberdade, que não é liberdade somente para os iguais, mas também para os diferentes, como dizia Rosa Luxemburgo. 

Talvez se possa falar em diversos estágios de evolução de uma mesma ideologia. De qualquer forma, é falando-se em liberdade, realização do potencial humano, progresso espiritual e não apenas material, aperfeiçoamento humano, enfim, que todos    ̶ sejam os herdeiros das antigas associações de trabalhadores, sejam os libertários hacker vinculados ao Wikileaks    ̶ , convergem num mesmo fim, muito além dos meios. 

O que a História mostra é que o nacionalismo não é mais do que uma invenção burguesa usada para a manutenção de reservas de território para a exploração de recursos e para o comércio, bem nos moldes do que noutros tempos haviam sido os feudos. Hoje, o nacionalismo se justifica pela exploração dos "países mais poderosos, pela opressão que impingem aos mais frágeis. Exploração e opressão que não é exercida pela organização direta dos povos, mas sim por governos unidos a interesses corporativos, à revelia do povo. 

Nos dias de hoje, a luta que os trabalhadores do mundo travam é, principalmente, contra a inversão ancestral na linha de comando dos povos. Cabe aos governos constituídos serem servos do povo e não o povo servo de governos aliados a interesses corporativos, que beneficiam uns poucos, num mundo que dispõe de tecnologia e espaço necessário para acomodar toda a humanidade com condições dignas de vida. 

Nesta luta, os povos do mundo estão unidos em um só coração. Quando nos entregam armas contra essa inversão é indispensável não desvalorizar ou ignorar estas ações, sob pena de que elas não voltem a acontecer no futuro. As ações de Snowden, Manning e dos hackers do Wikileaks não podem ser vistas como fatos isolados, descontextualizados das lutas históricas dos povos do mundo por emancipação. É questão de coerência que os lutadores de movimentos sociais, para muito além de vício de contenção de pensamento por modelos discursivos ideológicos, enxerguem a importância da quebra de sigilo dos governos como elemento estratégico num processo histórico de lutas por emancipação dos povos. 

Neste contexto, é indecente que Snowden esteja há semanas sem destino certo, sem que nenhum país, por pressão do seu povo, se solidarize com sua situação e lhe estenda a mão. É ridícula a decisão brasileira de não responder à sua solicitação de asilo político,conforme noticiou o Estadão. Uma demonstração de covardia política vergonhosa! E não é possível que as lideranças de movimentos sociais não percebam as implicabilidades disso! Como disse Snowden: “... o presidente Obama declarou, perante o mundo, que não permitiria 'manobras e negociações' [no original "wheeling and dealing"] com o meu caso. Mas agora já há notícias de que, apesar de ter prometido o que prometeu, o presidente ordenou ao vice-presidente que pressione os líderes das nações às quais pedi proteção, para que rejeitem meus pedidos de asilo. Esse tipo de falsidade, num líder mundial, não é justiça, nem é justiça a pena extralegal do exílio. São as mesmas velhas ferramentas da violência política. O objetivo delas é assustar, não eu, mas os que tentarem me ajudar." (Brasil de Fato)

O mundo precisa de homens com o conhecimento de Snowden, com a coragem de Braddley Manning, com a estrutura de um Wikileaks. Não é possível que atos de heroísmo continuem a fazer mártires. Se não fosse por isso, a simples vocação humana pela luta por liberdade já deveria valer a eles que fossem acolhidos. A omissão, a falta de enfrentamentos, fala muito mais da situação atual de desunião e falta de visão das lideranças de esquerda, da sua falta de sintonia com este tempo presente do que qualquer outra coisa.


Publicação original: http://claro-escuro.blogspot.com.br/2013/07/snowden-manning-wikileaks-e-o-socialismo.html


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