"Era como um padrão perfeito, estendido à minha frente. E eu percebi que somos todos parte dele. E estamos presos a ele (...) Com tanto caos, sem dúvida alguém vai fazer alguma bobagem. E quando fizer...” - Inspetor Eric Finch, em V de Vingança (1:42:15)
Texto: Helena Novais
Em 22.06.20013
Esta passagem do filme V de Vingança ilustra bem o que aconteceu em São Paulo e no Brasil nas últimas semanas. No caso de São Paulo, quem fez a bobagem foi a polícia que ao agredir manifestantes transformou uma passeata modesta em um movimento que no dia 17 de junho arregimentou dezenas de milhares de pessoas. O Povo não mais exigia apenas o cancelamento do reajuste das passagens de ônibus, mas expressava toda a sua revolta contra as humilhações pelas quais vem passando, submetido a um sistema político corrupto e distante das reais necessidades como saúde, educação, transporte e, principalmente, respeito.
A passeata do dia 17 não foi o resultado de uma mobilização orquestrada pelo Movimento Passe Livre, antes a manifestação que lhe saiu do controle no mesmo instante em que atingiu seu ápice. E depois de tantos comentários pontuais, marcados pelo calor da hora, já é tempo de olhar para tudo o que se passa com calma, tentando visualizar causas, efeitos e possibilidades em um futuro de curto prazo nebuloso.
Para mim, um diagnóstico começa em abril de 2010 quanto em uma reunião de educadores populares que ocorria na Escola Nacional Florestan Fernandes ouvi uma palestra sobre análise conjuntural. Após uma síntese sobre os principais fatos que marcam a história e atualidade do Brasil, o palestrante conclui que naquele momento não havia possibilidade de uma grande mobilização social. O movimento estava fragmentado entre várias organizações voltadas para causas distintas, os sindicatos passavam por um desmonte, o individualismo dominava. Em síntese, não se via no horizonte algo com o poder de despertar e unir o povo na luta por direitos.
Porém, dois meses depois o mundo foi sacudido pelo Wikileaks e seu vazamento de informações sobre a Guerra do Afeganistão. No final daquele mesmo ano eclodiu a Primavera Árabe e pouco mais tarde o movimento Occupy ganhou projeção. Esses acontecimentos tinham e têm algo em comum com o Movimento Passe Livre, nascido em 2005 e que chamou as manifestações de junho em São Paulo: o uso da Internet.
No Brasil, a maior parte dos antigos militantes da esquerda fazem péssimo uso da Internet quando não a repudiam. Da última vez que participei de uma reunião de educadores populares, em fins de fevereiro, ouvi comentários desmerecedores aos “teóricos” e os “revolucionários de Internet”. Quando estive na Oficina de Inclusão Digital ocorrida em novembro último, em Porto Alegre, vi que os militantes concordavam com a urgência de se harmonizar inclusão digital com formação crítica e política, mas ninguém sabia por onde começar.
Esse atraso com relação à informática explica o por que da esquerda ser surpreendida com o rumo que as coisas tomaram nos últimos dias e de estar tão despreparada para fazer a formação política urgente neste momento. Falta de domínio da informática e deficiências na formação teórica e tecnológica até para si mesma. Isso afora as discussões e disputas internas diversas. Enquanto se procurava visualizar uma revolução no format0 antigo, ela se formava bem debaixo de nossos narizes, pela Internet. O MPL já era conhecido e dele participavam militantes de várias organizações e partidos, apenas não se pensava que ali estava um poder aglutinador.
Mas isso não quer dizer que a militância não exista ou que ela esteve alienada, dormindo, como parece pensar alguns que tentaram expulsar os portadores de bandeiras de lutas das passeatas. A surpresa pegou a esquerda despreparada, com crises e deficiências de articulação interna, mas não morta. Desde o ano passado ela já havia sido arranhada em seus brios pela violência contra a juventude pobre e negra que vinha sendo exterminada nas periferias, enquanto a grande mídia disfarçava a realidade. Quando a polícia atacou manifestantes pacíficos em passeata a sociedade paulista se levantou indignada, mas os militantes de esquerda já estavam indignados com a truculência da polícia há muito tempo. Não vamos esquecer que Pinheirinho faz parte desse contexto, que as ocupações do MST e MTD fazem parte deste contexto, que o PT tem muitos problemas, mas que está no poder por conta de seus militantes de esquerda e não têm outra alternativa que não seja ouvi-los e atende-los neste momento pra lá de crítico.
As últimas eleições já deram conta de uma tendência que, creio, voltará a dominar agora. A dos movimentos sociais resolverem internamente seus próprios problemas, cada vez mais distante da influência da mídia. E isso vale também para os problemas internos do PT. O momento é de unir forças em torno de um mesmo objetivo: um país de justiça social, com oportunidades e condições de vida digna para todos. Não é hora de perder, mas de superar-se e avançar.
Na luta pela liderança de um movimento social que saiu do controle o cenário está cercado por diversos interesses, tendências e ideologias. Porém, a exemplo do efeito dominó de V de Vingança uma só peça do jogo se manterá em pé.
Publicação original: http://claro-escuro.blogspot.com.br/2013/06/o-efeito-domino.html
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