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Paradigmas Capitalista e os "Ismos" da Questão


Texto: Helena Novais
Em 30.06.2013

Em nenhum período da minha vida as leituras foram mais frustrantes do que nos anos de faculdade. Isso não porque a qualidade das obras indicadas fosse ruim. Claro que não! É que ao longo de quatro anos raramente eu li um livro inteiro. Lia apenas pedaços e vislumbrava pontos de vista, já passando para o próximo pedaço de outro livro. Não havia tempo para assimilar e me apropriar bem de coisa alguma, enquanto os recortes iam se acumulando, uns sobre outros, em oceanos de reflexões mal resolvidos e muita, muita angústia.

Ao final desse período eu me sentia muito mal e prometi para mim mesma que passaria pelo menos um ano lendo e estudando por conta própria, aprofundando, esclarecendo, mastigando o que me interessava. Isso seria em 2012. Mas aí coloquei a promessa de lado para passar um ano em reuniões ou preparando reuniões sobre educação popular, viajando ou arrumando e desarrumando malas. Fiz porque parecia importante, parecia que era o correto a fazer na tentativa de ser coerente com meus próprios ideais. E fiz porque acreditei estar entre amigos que acreditavam nas mesmas coisa e lutavam pelas mesmas coisa. Não posso dizer que me enganei totalmente, mas me enganei em muitas coisas. De qualquer forma, 2012 foi um bom ano! Tive o tempo necessário para me colocar novamente em sintonia comigo mesma. 

E no começo deste ano, depois de muito pensar em que rumo tomar, decidi que melhor do que continuar esmurrando facas para mudar o que eu não podia, seria retomar o antigo projeto de auto-esclarecimento. Afinal, é tudo o que eu posso fazer: me empenhar em ser o meu melhor para mim e para quem me rodeia, sem esperar nada de ninguém. E agora, de férias e finalmente em paz, juntei livros e reservei noites e dias inteiros. Se tudo der certo, as férias podem acabar se estendendo por todo o meu resto de vida. 

E logo nas primeiras leituras, sobre a filosofia grega, me deparei com isso:

"(...) a superioridade dos gregos em relação aos outros povos nesse ponto específico [desenvolvimento do pensamento racional e criação da filosofia] é de caráter não puramente quantitativo, mas qualitativo, porque o que eles criaram, instituindo a filosofia, constitui novidade que, em certo sentido é absoluta.
Quem não tomar isso em conta não poderá compreender por que, sob o impulso dos gregos, a civilização ocidental tomou uma direção completamente diferente da oriental. Em particular não poderá compreender por que motivo os orientais, quando quiseram se beneficiar da ciência ocidental e de seus resultados, tiveram que adotar também algumas categorias da lógica ocidental. Com efeito, não é em qualquer cultura que a ciência é possível. Há idéias que tornam estruturalmente impossível o nascimento e o desenvolvimento de determinadas concepções - e, até mesmo, idéias que interditam toda a ciência em seu conjunto, pelo menos a ciência como hoje a conhecemos." - (Giovane Reale e Dario Antisseri, em História da Filosofia)

A vida, tal como é vivida hoje está profundamente marcada pelas categorias lógicas da ciência ocidental. Capitalismo e ciência desenvolveram-se em íntima relação, definindo modos de pensar e de sentir, estabelecendo as estruturas de pensamento e a subjetividade de cada indivíduo, por meio da educação formal e atividades da vida cotidiana. Um ser humano é ser que se forma em contato com a cultura dada. O modo como aprende a viver condiciona as estruturas de pensamento que determinam as soluções encontradas para os problemas do dia-a-dia.

Não se pensa fora das próprias estruturas de pensamento, o que significa que não basta abraçar ideologias e acreditar que se está imune ao mundo que nos cerca. Ele não está lá fora, está interiorizado, em nós, nos condicionando. Então, pensar em política de esquerda como que isolada moralmente e factualmente de um mundo que está lá fora é uma distorção ingênua, no mínimo. Daí a minha fé na esquerda, tal como ela age hoje, ter sido profundamente abalada depois de um ano inteiro alertando sobre paradigmas capitalistas e de ter me defrontado com as reações mais baixas por parte de alguns e a inércia cômoda por parte de outros, que caminham em círculos pra não sair do mesmo lugar.

Uma esquerda que reproduz o modo de pensar e de agir capitalista enquanto fala mal do Capitalismo, consciente ou inconscientemente, é superficial, não conhece si mesma e não cria nada de novo. Defender e justificar essa reprodução pelas "dificuldades em reagir ao sistema opressor" é comodismo e má fé. É ignorar que o futuro se cria no agora e será aquilo que o gerou, nem mais nem menos. Criar um mundo diferente significa transformar-se, lançar-se com determinação à aventura de criar novos valores, novos sentidos, um novo jeito de ser, de viver e, consequentemente de pensar e de recriar. Parte antes de si e não depende necessariamente do outro.

Em meio às manifestações das últimas semanas, esse problema se impôs sem que ninguém se desse conta dele, ou pelo menos o mencionasse (que eu tenha visto/lido). A esquerda precisa urgentemente se perguntar o que é ser de esquerda HOJE e o que é ser líder de esquerda no contexto atual... Karl Marx não viveu no auge do desenvolvimento do capitalismo industrial e da crise ética e política que permeia a nossa sociedade da informação com todas as suas mazelas. 

É preciso deixar de ser ingênuo e antes de tudo encarar as próprias limitações, afinal, o que é errado no Capitalismo, não pode ser reproduzido no Socialismo meramente porque é Socialismo ou continuará sendo reproduzido numa sociedade que se deseja transformar profundamente. Essa é maior ameaça à diversidade dos povos mais humildes: a substituição de uma elite ideológica por outra elite ideológica que seja lobo em pele de cordeiro sem se dar conta que assim o é... É preciso transcender às ideologias, é preciso eliminar "líderes". Que cada um seja "líder" de si mesmo, mas com conhecimento de causa, consciência e responsabilidade.

Quando não se simpatiza com a direita, naturalmente se pende para a esquerda. Mas, quando se percebe que há algo de muito errado também na esquerda, então se sente só e incompreendido. No dia 17 de Julho quando surpresa observava o que acontecia, me dei conta que não, não estava errada e não estou sozinha. O que o movimento expressou foi a vontade de avançar rumo a algo novo, inédito. E eu sempre achei que nenhum intelectual conseguiria, apenas ordenando teorias, determinar o que seria essa terceira via. Ela será construída no dia-a-dia, pelo conjunto da sociedade, se esta não for cooptada nem por direit[ismos] nem por esquerd[ismos]. 


Publicação original: http://claro-escuro.blogspot.com.br/2013/06/paradigmas-capitalista.html